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Casuísmos não faltam à administração pública no Brasil. E não é coisa de agora, já nasceu colocando um absurdo no registro de nascimento: a famosa carta enviada pelo escrivão Pero Vaz de Caminha ao Rei Dom Manuel, em que pedia benesses para seus familiares por participar do descobrimento deste Brasil varonil. Embora eu pessoalmente não tenha ciência do resultado, acredito que o pleito tenha sido deferido, pois era costume à época.
Naquele tempo, tudo podia desde que o rei, Sua Majestade, concedesse os benefícios reais a qualquer dos súditos, por relevantes serviços prestados ao Reino ou mesmo à Coroa. Afinal, como dizia o Rei Luiz XIV, o brilhante Rei Sol, “L’État c’est moi”, ou “o Estado sou eu”, pois exercia o poder absoluto sobre o reino da França por 72 longos anos de deslumbramento.
Mas vamos nos ater no Brasil, que copiou ou transferiu os costumes reinantes da Corte de Portugal, mesmo antes de Dom João VI desembarcar em Salvador e no Rio de Janeiro, distribuindo concessões por onde passasse e a quem lhe pedisse. Além dos benefícios financeiros, com sinecuras tantas, ainda existiam os títulos de nobreza dados desde aos mordomos e outros cuidadores reais, até aos ricos bajuladores do poder.
Com a proclamação da República, pensavam alguns que os usos e costumes mudariam, conforme a etimologia do nome res publica, coisa de todos, do povo, o que acabou não acontecendo, na realidade. República instalada, tinham os que queriam a república ditatorial, que foram defenestrados, e os que preferiam a república democrática, engrossados pelos que apoiavam a monarquia e que não queriam perder as benesses.
Nos costumes de hoje, aquela turma de antes levava a sua mesada – e olhe que ainda não tínhamos criado o mensalão – para emprestar o apoio ao governante de plantão, já sob o argumento da governabilidade. E assim passaram os anos e governos nas esferas federal, estadual e municipal, diferenciando-os apenas no índice de poder e de concessões aos amigos e colaboradores.
Sem qualquer constrangimento, muda-se de partido como quem muda de camisa, com a explicação na ponta da língua, desde que a reciprocidade seja entregue por meios diversos, desde em cédulas em vigor no Brasil ou em países estrangeiros. Podiam, e ainda podem, ser esses pagamentos feitos na base do escambo: voto no seu interesse e recebo favor nos mesmos moldes.
Daí é que acredito tenha sido criada a emenda parlamentar, na qual o beneficiado não é o popular, alguém do povo, mas o próprio político, com uma obra que, coincidentemente, passe pela porteira de sua fazenda, o asfaltamento da rua onde more. Fatos apontam, também, para a informação privilegiada de determinada vultosa obra, onde quem compartilha o segredo passa a comprar léguas e mais léguas de terra.
Como nos mostrou o mensalão e o petrolão, outros meios mais sofisticados foram criados para esconder dos fuxiqueiros, a exemplo do apoio de terceiros, com as riquíssimas colaborações nas campanhas eleitorais. Eu beneficio você, que também me beneficia, pois já recebeu o benefício dado de forma bastante desinteressada do meu amigo e que passa a ser seu amigo.
Assim ficou tudo mais fácil, pois as leis passaram a ser feitas de acordo com os interesses de nosso grupo, beneficiando aqueles que compartilham não só nossas ideias e redes sociais, mas a nossa esperteza. E tudo se resolve entre quatro paredes, como a rodovia litorânea que de repente cisma em se desviar para o interior, sob qualquer desculpa técnica que mereça ser dada.
Há outro jeitinho nas leis para os que gostam de enveredar por caminhos mais fáceis e que alguns chamam de tortuosos, com a singela finalidade de escapar das garras da lei, não importando de que lado possa estar. Se já tivemos a chamada Lei Fleury, nada nos impede que possamos ter a lei que quisermos. Ora, o congresso sempre dá um jeitinho para aprovar a reeleição de uns e cassar a de outros, como quer FHC.
Os fins justificam os meios, não podemos é deixar de honrar os pedidos de nossos amigos mais chegados. Ora, casuísmo é apenas a submissão de um pensamento e o apoio a um chegado. Como se diz: O amigo tem de ser amigo do amigo, do contrário, não é amigo do amigo. E o que o brasileiro mais preza é ser amigos dos amigos! E olha que a res publica deveria ser de todos…
Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado
*A análise do colunista não reflete, necessariamente, a opinião de Pauta.blog.br