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O que me alegra é a nossa capacidade de resistir. O desabafo é do professor de história Erlon Costa. Membro efetivo do Conselho Municipal de Cultura, Erlon é uma espécie de “formiguinha” no trabalho de difusão da capoeira em Ilhéus. Por onde passa fala do tema. Onde é possível, “joga” sua arte. Com índios ianomâmis, por exemplo, perfilou na roda no topo do Pico da Neblina. Batizado de “Chocolate” pelos mestres, Erlon comemora outro feito, que define como “silencioso e estratégico”: ter dois praticantes da capoeira na formação do Conselho de Cultura.

Mas se a presença da dupla fortalece a representatividade da arte, a ausência de políticas públicas definidas fragiliza o presente e cria um vazio sobre o futuro. “Faltam espaços. Os que tínhamos, foram destruídos. E quem está disposto a reconstruí-los não têm mais onde investir”, lamenta. Ao falar na Audiência Pública que debateu na Câmara Municipal ações afirmativas para o segmento, “Chocolate” lembrou que nos últimos anos muitas crianças deixaram de praticar a capoeira por que encontraram salas fechadas onde, até então, a arte era praticada.

ESPAÇOS
Não bastasse, prédios onde projetos sociais e esportivos poderiam ser implantados, não são liberados para atender à demanda de crianças, especialmente as que se encontram em vulnerabilidade social. Por exemplo, o Colégio da Proa, na zona sul. Fechado, o imóvel se deteriora. Mas poderia estar vivo sediando um complexo de capoeira. “Entrega na mão da gente pra ver”, desafia.

O vazio que “Chocolate” enxerga, Mestre Ramiro, sente na pele. Viu, sem justificativa, fechar espaços onde há anos atendia crianças. O Ginásio de Esportes e uma sala da Biblioteca Pública Municipal, são os dois exemplos mais recentes. “Sequer um ofício fizeram justificando a decisão”, desabafa. Ele compareceu à Câmara vestido de branco (representando a paz) e descalço (representando a liberdade). Disse que a Câmara realiza uma importante iniciativa ao debater o futuro da capoeira de Ilhéus.

AÇÕES PENSADAS
Contrameste, Paulo Magalhães destacou que há 72 ações pensadas para a capoeira na Bahia. Elas só precisam ser colocadas em prática através de políticas públicas de valorização de uma das maiores expressões culturais do povo brasileiro. Ao participar da Audiência Pública, Paulo lamentou que a capoeira esteja, hoje, presente apenas nas escolas particulares da Bahia e afirmou que já há um arcabouço institucional jurídico para que possa, finalmente, ser implementada nas escolas públicas do estado. Há um debate sobre a necessidade ou não da formação acadêmica dos instrutores para ministrar aulas nos estabelecimentos públicos.

Jornalista, mestre em Ciências Sociais e doutor em Cultura e Sociedade, Paulo Magalhães lembrou que a capoeira foi perseguida e chegou a ser considerada uma atividade criminosa entre 1890 e 1940. Mas ela venceu, hoje é praticada em mais de 170 Países. “Os caminhos agora estão abertos e temos muito que ainda avançar”, assegura. Levantamento feito pelo setor aponta que Ilhéus possui 36 grupos de capoeira cadastrados, mas vivendo em verdadeiras ilhas, isolados, sem uma ação política coletiva. Ao justificar a realização da Audiência Pública, o autor da proposta, o vereador Cláudio Magalhães (PCdoB) destacou a importância deste movimento cultural numa cidade de 487 anos de fundação.

RESISTÊNCIA À ESCRAVIDÃO
“É preciso que valorizemos a capoeira como uma atividade física, luta, dança e expressão do povo negro da cidade”, disse Cláudio. Para o vereador Vinícius Alcântara (PV), encontros e iniciativas como esta são fundamentais para puxar a reboque o poder público para ações do interesse coletivo. “Estar aqui é uma oportunidade de entender a capoeira e, através das reivindicações, fazer com que as coisas aconteçam”. O vereador Vinícius lembrou que o produto da capoeira é um produto da resistência à escravidão e um patrimônio cultural do Brasil.

Professor da rede pública com atuação em Salvador, Mestre Duda defendeu que é inevitável que todo cidadão politizado esteja neste momento revoltado com a realidade nacional. “A luta é grande. Agora, sobretudo, é no sentido se organizar enquanto coletivo para pensar na proposição de políticas públicas”. Mas lembrou que é preciso avançar muito. “Quando a gente propõe políticas públicas a gente hoje não sabe nem se a escola quer aceitar a cultura tradicional como ela é”, exemplificou.

SISTEMA TRABALHA PARA O SISTEMA
A capoeira está esquecida, lamenta o professor Artur Gregório, o outro capoeirista que integra o Conselho Municipal de Cultura. “Essa é a cultura do povo, da gente. Mas se o seu filho não consegue ver alguém jogar capoeira na rua, ele não se inspira”, afirmou. Gregório criticou o sistema que, segundo ele, trabalha para amigos e coligados e não pra todo mundo. “O sistema trabalha para o sistema. E quando eles nos querem fora, eles não nos ajudam”, sentenciou. “Só se lembram dos capoeiristas na semana da consciência negra”, completa Bruno Reis, o mestre Zumbi. “É preciso permanência, regularidade, para que possamos ser olhados com outros olhos”, afirma. “Por isso, organizar coletivos é o que faz a gente estar aqui”, completou Erlon, encerrando a Audiência Publica e as comemorações do Dia do Capoeirista, que acontece neste dia 3, terça-feira.

A Sudesb estima, após cumprimento de todas as etapas previstas pelo edital de chamamento público, a data de 14 de dezembro próximo para assinatura do termo de fomento com as organizações selecionadas por meio do chamamento público

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Comemorado em 3 de agosto, o Dia Nacional do Capoeirista tem homenagem antecipada pela Sudesb (Superintendência dos Desportos do Estado da Bahia). O Diário Oficial do Estado de ontem, 6ª feira (30.julho), traz publicado Aviso de Edital com destinação de R$ 500 mil para o apoio a projetos de eventos neste segmento esportivo. Tanto o edital quanto os seus 11 anexos já se encontram disponíveis no site da autarquia.

“Com a boa perspectiva de recuo da pandemia, começamos a colocar na rua nossos projetos de fomento, que forçosamente fomos obrigados a interromper desde 2020 por conta da crise sanitária. Nada mais simbólico do que iniciarmos essa retomada com o lançamento de um edital de fomento à capoeira, esporte que tanto tem a ver com nossas raízes, nossa cultura histórica”, comenta o diretor-geral da Sudesb, Vicente Neto.

As organizações sociais interessadas têm entre 2 e 30 de agosto para apresentar seus projetos, podendo ser apenas um por instituição. Ainda de acordo com o edital, poderão vir a ser selecionadas até 20 propostas, desde que cada uma não ultrapasse o valor máximo de R$ 25 mil.

Vereador de Ilhéus, Cláudio Magalhães, do PCdoB

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O vereador Cláudio Magalhães (PCdoB) encaminhou à mesa diretora da Câmara de Ilhéus, um requerimento para a realização de uma sessão especial, com o objetivo de discutir as ações afirmativas de políticas públicas para a capoeira na cidade. O debate também pretende incluir em sua abordagem, “as injustiças e as justiças em relação aos mestres de capoeira do município”.

Cláudio propõe que a audiência aconteça na casa legislativa no próximo dia 2 de agosto, às 16h. “Atendendo a uma orientação do presidente Jerbson Moraes, estamos pedindo que essa sessão ocorra na segunda-feira (2). Isso porque no dia 03 é o dia que se comemora o Dia do Capoeirista, mas cai em um terça-feira, dia de sessão ordinária na Câmara. Por isso, propomos a antecipação desse debate”, justificou.

“Esta será a oportunidade para um grande diálogo sobre a capoeira, mostrando o valor dos nossos mestres, praticantes, admiradores e apoiadores dessa arte tão rica e importante da cultura brasileira. Aqui em Ilhéus precisamos preservar e incentivar a capoeira como ela merece e assim foi reconhecida como patrimônio imaterial brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e como patrimônio da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)”, concluiu Cláudio Magalhães.

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