Usamos a câmera do nosso smartphone para registros importantes da nossa vida. Uma festa em família, uma selfie com os amigos ou até mesmo aquela viagem inesquecível que precisa ser registrada para guardar para além das memórias do coração. Além dos registros fotográficos, o doutor em biotecnologia pela Universidade Federal da Bahia, Filipe Benvenuto, descobriu que uma simples câmera poderia ser utilizada para diagnosticar se uma pessoa está ou não com o coronavírus. O trabalho utiliza um sinal óptico de inteligência artificial para a detecção de agentes virais, adaptado ao SARS-CoV-2.
“Durante meu doutorado, fui aprovado em uma chamada de doutorado sanduíche e atuei no grupo do Dr. Hadi Shafiee, desenvolvendo pesquisa com saúde digital, através de uma parceria já estabelecida pelo meu orientador. Nesse período, ajudei a desenvolver um trabalho que utilizava uma tecnologia semelhante à de um sinal óptico e inteligência artificial para a detecção de vários agentes virais. Quando a pandemia do coronavírus começou, procuramos adaptar nossa pesquisa para a detecção do SARS-CoV-2, utilizando a tecnologia CRISPR/Cas12”, explicou o pesquisador.
No ano de 2020, duas cientistas, E. Charpentier and J. A. Doudna, ganharam o prêmio Nobel de química, pelo desenvolvimento de uma técnica de edição gênica utilizando Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas (CRISPR). Essa descoberta, segundo Benvenuto, revolucionou a engenharia genética por causa da sua capacidade de reconhecer e modificar um alvo específico. “Recentemente, biossensores baseados em CRISPR surgiram como alternativas inovadoras e versáteis para a detecção molecular de agentes infecciosos e diferentes tecnologias dependentes de CRISPR foram desenvolvidas para a detecção do SARS-CoV-2. Alguns desses biossensores já possuem autorização de uso de emergencial do FDA dos EUA”, detalhou.
O trabalho feito por Filipe apresenta uma prova de conceito de um biossensor baseado na tecnologia com um sinal óptico simples (geração de bolhas), desenvolvido para a detecção do RNA do SARS-CoV-2. “Ao invés de utilizar um biossensor fluorescente, o nosso é uma sonda enzimática formada pela catalase e DNA fita simples (substrato da trans-clivagem da Cas12) imobilizado em beads magnéticas. O resultado desse teste é detectado usando a câmera de smartphone sem usar nenhum acessório de smartphone ou hardware óptico, utilizando um aplicativo de visão computacional”, contou o pesquisador, que garantiu que o resultado é dado um minuto depois do processamento da imagem pela câmera do celular.
De acordo com Benvenuto, outros métodos de diagnóstico por smartphone que usam essa mesma tecnologia, geralmente necessitam de uma etapa de amplificação de ácidos nucleicos, o que deixa tudo mais complexo. No projeto desenvolvido por ele, o RNA é detectado sem a necessidade desse processo e o sinal de bolha de gás oferece um sinal visual significante, mais simples e rápido. A pesquisa foi financiada pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH), pelo Brigham and Women’s Hospital e teve o apoio de uma bolsa de doutorado sanduíche do programa CAPES-PRINT durante o estágio doutoral.
“Durante a pandemia, percebemos a importância da rapidez dos testes para a identificação da doença nos primeiros dias da infecção. Esse teste é fundamental para guiar as políticas públicas para contenção do vírus no Brasil e no mundo. Nossa prova de conceito propõe uma forma de diagnóstico mais barata, que não requer amplificação de ácidos nucleicos, que não requer equipamentos para leitura e com execução simplificada, permitindo a democratização do acesso ao diagnóstico em áreas descentralizadas”, finalizou o biotecnólogo.