Quando você é convidado para assistir a uma peça teatral online, num primeiro momento imagina que não será algo tão interessante, pois estamos acostumados ao teatro existindo diante da plateia, com o coração do ator pulsando na sua frente. O ator trocando energia com a público, e você sendo tocado pela emoção, de forma direta. Aquela luz, aquele som, aquele olhar cruzando com o seu, nada pode substituir. Ledo engano. A última apresentação me fez refém, me hipnotizou. Já tinha assistido a outros espetáculos, inclusive um diretamente de Salvador, no mês de fevereiro, que me impressionou, sobretudo, como a tecnologia foi usada para trocar cenários, aproximar atores, atuando a distância. Gritei: Viva a tecnologia! Atores bons, direção belíssima! Gostei do espetáculo. Entretanto, na última semana, o diretor Marquinhos Nô, de Itabuna, com quem tive o privilegio de trabalhar na montagem da peça “Paixão de Cristo”, em 2017, naquela cidade, e já fez apresentação em Itapetinga, me enviou um convite para o espetáculo “Canção Para Uma Flor de Barro”, de sua autoria e que também assinava a direção.
O trabalho começa com uma câmara focando alguém que olha pelo buraco, buscando algo, outras vezes, esse buraco parece ser aquele lugar de onde olhamos como plateia, a miséria da vida, do mundo dos outros, como se nada tivéssemos com aquilo. Depois vem o texto, a história… Tudo é um soco no estômago. A peça dura cerca de quarenta minutos. O impacto que nos causa, parece um piscar de olhos. É tudo tão direto, tão duro, tão seco, que nos provoca asco à existência de um daqueles personagens, e vontade de cuidar e proteger aquelas vítimas. A plateia se manifesta através do chat (bate-papo), com aplausos, gritos e descrição de lágrimas. Mas é ficção! Bom seria, se fosse! É a vida vestida de arte ou a arte vestida de vida? Ficamos confusos, durante aquela apresentação. Vibramos pelo deleite artístico, mas sofremos ao pensar na realidade.
O espetáculo conta uma história de exploração, machismo, dor, miséria. Fala de Ana, jovem de 23 anos, adotada por uma trasvesti doente (deficiente física, cega), que sofre preconceitos e não tem condições de trabalhar. Ana, se entrega a um homem, machista, que lhe maltrata, com a finalidade de ter um sustento para si e para a mãe adotiva. E, ao tentar sair daquele relacionamento abusivo, sofre ainda mais. E o final dessa história é bem conhecida. Ele lhe mata! “O espectro de Ana vaga, questiona, esperando todas as respostas para compreender por que morreu. Nessa busca, ela descobre que todos são manipulados e manipuladores”, disse o autor e diretor Marquinhos Nô.
No final, nos apresenta a triste estatística do Brasil, como quinto país em mortes violentas de mulheres no mundo, e que mais de 250 mulheres foram vítimas de violência domestica por dia, durante o isolamento social até o momento. Nos choca saber que uma mulher é morta a cada nove horas, e que o Brasil registra uma morte por homofobia a cada 16 horas. E para concluir, a palavra, escrita, como um grito: Chega! E nos juntamos a esses que gritam: Chega!!
A peça conta com os talentosíssimos atores Alex Francis, Rafael de Souza e a grande atriz Larissa Profeta, que também é interprete da canção para a peça, escrita por Nô, com arranjo de Adilson Nascimento. A produção é do Teatro de Experiência Grapiúna.
Antônio Maciel é pedagogo, professor, poeta e produtor cultural